terça-feira, 26 de julho de 2011

Eu?

Quero começar propondo uma questão: quem é você?
As primeiras coisas que devem vir à sua cabeça em uma tentativa de resposta são asserções tais quais "sou um ser humano, brasileiro, tenho tantos anos, gosto disso, daquilo, faço isso, isso e isso". O problema desse tipo de resposta é que somente uma parte dela podemos tomar como uma verdade irrefutável: sermos humanos. 
Em primeiro lugar, o próprio fato de sermos brasileiros já é questionável. Não vou insistir em citar a nação imaginada de Anderson, mas o processo de aculturação dos povos e o rompimento de fronteiras naturais com a globalização fez com que o sentido de nacionalidade se perdesse no tempo. A verdade é que só lembramos de ser brasileiros em época de Copa do Mundo, onde aquele ufanismo vindo de sei lá onde surge dentro de nós. Depois disso, voltamos a ser os críticos de sempre: "ah, a violência. Ah, a política. O transporte. A educação. Saúde. Economia" e enfim, a grama do vizinho é mais bonita.
Segundo e bem menos irrelevante, nem mesmo a sua idade é imutável. Basta calculá-la por calendários de outras culturas e voilá, sua idade já não é mais exatamente a mesma. O interessante é que ninguém pode nos garantir que o calendário cristão é o correto se fomos nós quem o inventamos, mas o tomamos como padrão mesmo assim.
Em terceiro lugar, as coisas que fazemos ou gostamos mudam constantemente. Em uma era pós-panóptica, líquida e representativa, o nosso si está sempre se transformando e assim também, o mundo.
Ousando pensar como Heráclito, nunca somos os mesmos. Se a tempos atrás eramos produtores sólidos, agora somos consumidores líquidos e, assim, talvez não haja uma resposta completa e coesa a ser dada à questão. O outro problema que se desenrola a partir daí é, será que na era panóptica e sólida uma resposta poderia ser encontrada ou esse é um problema exclusivo da contemporaneidade?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

O conceito de comunidades de amizade se relaciona com os vínculos psíquico-espirituais que dois sujeitos estabelecem entre si a ponto de, o importante, ser a plena realização da alteridade. De outro lado temos, somente para efeito de comparação, o conceito de sociedade passando pela união de pessoas com interesses em comum, não necessariamente estabelecendo quaisquer vínculos profundos além da entropatia e da percepção. As asserções que podemos fazer hoje em dia, no terreno da amizade, convergem não para a definição de comunidade sólida mas para a de uma sociedade fugaz.
Há cada vez menos preocupação, dedicação e solidariedade com o próximo em um sentido plenamente satisfatório. Na realidade, vestimos uma máscara a fim de maquilar todas essas ações em virtude daquele medo já citado de nos relacionarmos em um plano mais profundo.
Do ponto de vista exclusivo da amizade, a pós-modernidade é marcada por uma tendência em colecionar amigos como se fossem figurinhas de um álbum da copa do mundo: quanto mais, melhor. Mas cada vez mais deixamos de nos vincular psíquico-espiritualmente, buscando tão somente a intersecção de interesses que possamos compartilhar. A amizade, atualmente, "nasce no momento em que uma pessoa diz para a outra 'O que? Você também? Pensei que eu era o  único"¹ e não mais na troca árdua de ideias e no debate de opiniões e pontos de vista. Não que esse tipo de relacionamento não aconteça, mas está se tornando mais e mais raro e substituído por uma rede supérflua de contatos.
O fluxo constante de pessoas e a dissolução das fronteiras naturais, causadas pelo processo negativo da globalização, contribui para a fluidez das amizades contemporâneas. Pessoas vem e vão, não nos apegamos com a maioria das com quem convivemos e nem precisamos.
Onde está o sentido da velha máxima que diz devermos "amar uns aos outros" se estamos involuindo ao ponto de apenas nos conectarmos com a alteridade?
Será que vamos deixar de pensar como mercadorias e resgatar as velhas comunidades, pensando como pessoas?  





¹ C.S Lewis

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O si como mercadoria

Eu havia comentado em meu primeiro post o papel das redes sociais na transformação das conexões humanas, mas sem considerar que esse é apenas um dos inúmeros tijolinhos que compõem a nossa casa fluida. 
Um outro fator preponderante e em grande destaque nos meios de mídia é o desenvolvimento de smartphones cada vez mais inteligentes, que só faltam falar por si mesmos. Eles condicionam o individualismo pós-moderno ao evitar cada vez mais o contato real entre as pessoas, "treinando os olhos a olhar sem ver"¹.
De fato, vemos em cafés, restaurantes e toda espécie de não-lugar os indivíduos enfurnados em seus celulares, pressionando avidamente as teclas para mandar uma mensagem, uma foto, um vídeo, falando com os amigos e familiares ou entretendo-se em milhões de aplicativos ao mesmo tempo que, do outro lado da mesa, seus companheiros realizam exatamente as mesmas atividades. As conexões acabam, assim, por se tornar o manto de Richard Baxter: pronto a ser despido a qualquer instante. 
O grande paradoxo pós-moderno é que somos tentados a, de minuto em minuto, checarmos todo tipo de rede social em que estamos inseridos buscando alguém que precise de nós, ao mesmo tempo que mantemos uma distância segura de um contato real. Vivemos cada vez mais na sociedade de representação proposta por Debord.
Nos tornamos, portanto, consumidores permanentemente insatisfeitos. Em nosso chat no Facebook podem ter cem pessoas online, mas falamos apenas com duas ou três. Temos medo de nos envolver e, com isso, nos tornarmos dependentes. Mas queremos sempre mais. Parece que o medo cósmico de Mikhail Bakhtin ampliou-se em um medo terreno.
Ficamos com receio de conhecer a fundo novas pessoas, pois isso requer tempo e dedicação de ambos os lados. O que acontece nesse sentido é que as relações se tornam supérfluas e efêmeras. Não sabemos as grandes conquistas ou piores temores de todos os nossos amigos, mas sabemos se eles irão sair conosco na próxima sexta-feira. Se vão na estreia daquele filme que todos os críticos estão comentando. Na final do jogo de futebol do seu time. Na nova balada que acabou de abrir. 
E assim os anos vão se passando e, mais do que isso, a nossa vida, tendo deixado de ser pessoas para nos tornamos mercadorias

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Por que o Homem busca todas as respostas?

Segue a lógica de Stephen Kanitz: "Não são as respostas que são importantes na vida, são as perguntas". Os impulsos sociológicos que levam os Homens pós-modernos a buscarem incessantemente em seu cotidiano a resposta para inúmeras perguntas reside, em uma observação geral, na busca pela afirmação da superioridade da raça humana em detrimento das demais existentes no globo terrestre. 
Em um primeiro momento a culpa não é da contemporaneidade. A velha máxima de Descartes prova que desde tempos remotos os seres sociais se preocupam em se diferenciar dos animais e da natureza de maneira quase arrogante: cogito ergo sum, onde o argumento da racionalidade é um propter hoc petulante, na medida em que somos racionais, portanto, melhores.
Quando o Homem iluminista aceitou a sua racionalidade em detrimento da teologia e passou a tomá-la como norteadora de suas ações, descobriu não só que os fatos não podem ser explicados única e exclusivamente pelos argumentos divinos, mas também que a sua capacidade lógica poderia vir a ser uma importante ferramenta de dominação da natureza e dos animais.
O conhecimento passou a ser valorizado a tal ponto que hoje, para ter-se uma vida farta e uma carreira de sucesso, a educação é fundamental. Temos que saber os pontos fracos dos "inimigos" que são a natureza e o animal irracional para podermos mantê-los sob nosso domínio.
Os seres sociais precisam sempre, de algum modo, estarem certos e serem melhores. É por isso que, por exemplo, a questão sobre a gênese do universo é um tabu. Os homens não tem controle sobre esse assunto, pois são inúmeras as hipóteses que o cerceiam. E isso os frustra a tal ponto que as buscas por uma explicação racional continua e continuará indeterminadamente.
É nesse sentido que a inteligência é supervalorizada. Fomos criados com a ideia de que temos de conhecer o máximo possível para chegarmos a algum lugar. 
Quem parece não ter entendido isso ainda são os políticos, que parecem tomados da doença da cegueira branca de Saramago e fazem vista grossa às dezenas de milhares de pessoas que convivem com menos de um dólar por dia. 
Até um macaco-aranha na floresta Amazônica parece ter mais. 

terça-feira, 5 de julho de 2011

Tecnologia parasitária

"A verdade que torna os homens livres é, na maioria dos casos, a verdade que os homens preferem não ouvir". Desde a dissolução da modernidade sólida, seguindo as teorias de Parmênides (tudo se desmaterializa) e Weber e Marx (tudo que é sólido se desmancha no ar), o ser social vem acompanhando, até o seu limite, o desenvolvimento de novas tecnologias a uma velocidade exponencial. A liberdade para Herbert Sebastian Agar é uma crítica ao comodismo, pois o Homem não sabe viver se não no capitalismo. Desse modo, a tecnologia cerceia a qualidade de vida dos cidadãos.
O desenvolvimento da produção gera uma felicidade aparente, ou líquida. Ela é condicionada pelo consumismo frequente, que torna os indivíduos dependentes da tecnologia. Eles não querem ser deixados para trás, precisam acompanhar a evolução para não serem excluídos.
Esse ethos do ser social provoca a globalização negativa e a supermodernidade de Augé, em que a superabundância de referências individuais gera a seleção de capitais e bens.
As moléculas frouxas da segunda modernidade (termo cunhado por Ulrich Beck para designar a contemporaneidade) fazem com que a tecnologia afete as relações sociais, pois seguindo a arquimetáfora de Foucoult, a era pós-panóptica dispensa a presença física como requisito para a comunicação, provocando a artificialidade dos networkings e relacionamentos virtuais.
O medo do erro, da falha e da quebra dessas tecnologias são condições sine qua non do comportamento do homem moderno. Ele se torna dependente não só do consumismo, mas do próprio bem.
Sendo assim, a qualidade de vida dos seres sociais da modernidade fluida é limitada pelo desenvolvimento e evolução do mundo, bem como a sua própria liberdade. E, assim, a tecnologia se torna cada vez mais um parasita. E dos grandes.