terça-feira, 14 de agosto de 2012

Uma breve reflexão sobre a breve vida


Mestre Frenhofer, de Balzac, quando dissertou sobre a existência da vida na arte - e da sua magnificente necessidade de se fazer presente em cada pincelada -, de certo não cogitou a existência do raciocínio inverso, não cabendo aqui a arte como objeto, mas como molejo.
Em uma atmosfera plural de artes narcisistas, a criação de pequenos mundos isolados potencializa a falta da cara de pau do diálogo entre dois distantes, como cores opacas tentando se misturar. Mais além, parecem ficar reduzidos à meros sonhos presos nas profundezas da alma todo comportamento insano e incerto da certeza que a fluidez do mundo insiste em reprimir dos sapiens demiens. A vida assim, lenta feito uma gota de tinta óleo ansiando penetrar no corpo de um desenho, perde sua arte, seu gracejo e a si própria.
Faz-se importante mencionar nesse ponto uma frase que frequentemente entra por um ouvido e sai pelo outro, permanecendo, se não por um tempo ínfimo, tão breve quanto ela mesma: a vida é passageira e se de fato o é, a graça de uma vida efêmera rodeada por medos e arrependimentos é tão sem sal quanto um café forte.
       É nesse sentido que se torna tão basilar ir atrás do que se quer, sem medo. Aquele tombo na frente dos amiguinhos da terceira série enquanto você freneticamente corria atrás do bolo de aniversário do colega e que por dias o fez chorar como se a vida não valesse mais a pena, hoje em dia não significa mais nada, porque já passou - e provavelmente porque, no final das contas, apesar do mico você comeu o tal do bolo -.
      É tolo, nesse sentido, ter medo de ser feliz e fazer o que se quer ver feito; medo de ter a arte na vida e de ver a vida em cada pincelada, em cada passo, em cada conquista. Ser feliz não é, afinal, necessariamente ver a tinta secar, mas fazê-la tocar o quadro do jeito que você quer.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Racionalizando a irracionalidade


Somos seres da palavra. Da razão, da objetividade, das ciências. Somos seres que, acima de tudo, querem estar bem; afinal, quem não quer? E pra isso usamos o que temos de tão especial e tão singular expressividade na natureza: o pensamento lógico.
Somos guiados por ele como cegos e seus cães-guia. Conforme fomos evoluindo, tornou-se claro que agir de maneira irracional era seguir por um caminho tortuoso e incerto e que, para estarmos bem, precisávamos seguir pelo caminho mais seguro, que nos garantisse mais conquistas e realizasse nossos sonhos. Desde então, usamos nossa racionalidade quase como um mantra; "não podemos fazer isso, pois vai acontecer aquilo", "se dissermos isso, vão pensar aquilo" e mais uma série de outros exemplos que todos temos guardados em nosso íntimo e que perpetuam em nossas lembranças.
Ser racional, no final das contas, nos levou a ser a sociedade mecânica em que estamos inseridos hoje, em que os dez passos pra você ser um profissional de sucesso ou as cinco regras para se ter aquela barriga chapada estão estampadas nas capas das revistas, dos blogs e do jornal que você ganha no farol. Aquela dose de suspense, o friozinho na barriga e o mistério por não saber o que pode acontecer ficam guardados só para os filmes de terror que eventualmente a gente assiste pra dar aquela relaxada e fazer nosso cérebro, bitolado em querer tudo claro e estrategicamente bem definido, entrar em equilíbrio com a irracionalidade que flui pelo nosso sangue.
Por vezes a vemos quase como um crime; "não acredito que fiz isso sem pensar", "caramba, por que eu não pensei melhor nisso antes?" e, quando algo positivamente inesperado acontece a partir dela, achamos estranho, como se fosse uma benção ou algo do tipo.
É engraçado perceber (racionalmente, claro) que a irracionalidade pode ser boa e que, no fundo, podemos - e deveríamos - deixar a vida muito mais interessante e leve com ela. Sem joguinhos em relacionamentos, sem métodos mirabolantes pra se ter uma ideia genial, sem um programa de treinos determinado na academia. Ao invés de jogar a vida, deveríamos vivê-la porque, afinal, ela é uma só.

domingo, 4 de março de 2012

A chave para o sucesso social de um homem é a compreensão da natureza das atitudes da alteridade, isto é, saber colher, analisar e interpretar os motivos pelos quais um comportamento foi manifestado em um indivíduo para poder agir ou responder a ele.
É importante ressaltar o caráter utópico desse pensamento, uma vez que em nenhum momento de sua existência o homem se revela em sua plenitude para outro. É uma característica própria do instinto de auto preservação humana e, se estendida essa lógica para os dias atuais, de se adequar a cada meio para não ser excluído socialmente.
Mas se por um lado é impossível chegar nesse estado supremo de consciência, não o é atingir um nível próximo. Não é necessário levar as atitudes cotidianas à ciência - aqui fazendo referência a beleza da psicologia - para se ter uma noção do que vem a ser suas essências.
Para tanto basta o treino da observação. De buscar colocar-se no lugar do outro e de pensar como ele; se se dada a devida abertura ainda conhecer fatos passados que possam ter-lhe afetado a psique, como a exemplo, um assassino violentado pelo pai quando pequeno ou um bandido que espelhou-se no irmão.
É um fato um tanto quanto óbvio mas que como a maioria das obviedades, se vê esquecida no inconsciente.
Tem-se desde criança uma noção do que vem a ser os valores moralmente aceitos pela sociedade. Alguns deles, no entanto, são surpreendentemente esquecidos em virtude da involução do homini urbanus que, hipnotizado pelo luxo capitalista, os atropela. É desse instante que nascem as diferenças sociais.
Nenhum homem é perfeito e de fato, não existe nenhum que possua todas as qualidades e valores que se convenciona como modelos a serem seguidos. O que se observa contemporaneamente é, por um lado, uma minimização da manifestação pura desses valores e, do outro, a maximização do fingimento dos mesmos para que o indivíduo insira-se em posição privilegiada no seu círculo social. Nasce então o que vem a ser as máscaras que uma fatia bem grande da sociedade usa como se não fosse nada demais, daí as dificuldades em compreender as atitudes da alteridade e agir em prol de uma harmonia global.
Deixe a máscara cair e treine seu olhar, no final é isso o que conta.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O culto ao ódio

Em época de BBB crescem a um número exponencialmente grande as mais diversas críticas sem pé nem cabeça sobre o reality show. O argumento basilar de boa parte delas é que o programa é totalmente destituído de cultura, e quem assiste é, portanto, fútil e totalmente aculturado.
O que se vê na verdade não é isso. Essa parcela aculturada e fútil que assiste ao reality, paga pelo pay per view, vota e se descabela quando o preferido é eliminado do programa na verdade é só uma parte de um quadro maior.
O BBB é um programa popular que, de verdade, não acrescenta nada ao intelecto humano. Mas ele não é a única fonte de cultura que um homini sociallis tem. Assistir ao reality não te torna burro, só não te faz crescer.
A nossa sociedade "evoluiu" de um modo tão desenfreado e desordenado do ponto de vista educacional e moral que, apesar de muito diferentes, também somos muito iguais. Daí uma necessidade crescente de ser (ou tentar ser, pelo menos) diferente.
E essa visão não se restringe apenas ao BBB. Boa parte dos grandes sucessos atuais - seja a novela das oito ou  a versão inglesa do hit do Michel Teló - recebem uma crítica violentamente desrespeitosa. Sou do ponto de vista do "faz melhor então"; acredito que o mínimo que deve haver é respeito. Se o indivíduo é reconhecido por milhares de pessoas pelo seu trabalho é porque ele é um mínimo de bom no que faz (você gostando dele ou não).
Esse culto ao ódio desgasta uma sociedade que, há muito, vem cavando um buraco cada vez mais fundo e arrastando tudo consigo. Desgasta porque a cada dia que passa temos mais medo de compartilhar quem somos com o resto do mundo; nem parece uma democracia. Temos receio de sermos rejeitados, excluídos e ignorados e, com isso, vamos lentamente desaprendendo a conviver em grupo.
Aquela música "cada um no seu quadrado", apesar de se encaixar perfeitamente à situação contemporânea, deve deixar de fazer sentido. Nosso quadrado é muito maior do que pensamos ser; dividimos ele com mais 7 bilhões de homo sapiens sapiens que, a julgar por nós mesmos, compõem a raça mais evoluída da natureza. Mas e essa evolução toda, cadê?

domingo, 11 de dezembro de 2011

O desinteresse dos jovens com relação aos estudos é preocupante, e se ilude aquele que acredita que só os menos abastados é que se desinteressam.
Os adolescentes das classes A e B, estudantes de colégios particulares bons e caros, geralmente encontram as melhores oportunidades de receber uma educação suficiente para ingressar em instituições renomadas do ensino superior - vamos esquecer por um momento o sistema de cotas.
É de se esperar que, em um momento de crise financeira mundial, de desemprego e de uma distribuição de renda injusta, esses jovens estudem a todo o vapor para não precisar economizar cada centavo na hora de comprar pão na padaria. Mas nem sempre isso acontece. Hoje em dia, uma fatia grande desse grupo não se dedica, não corre atrás e não se importa. Para eles o que vale é quantas horas você passa no boteco por semana e quantas garrafas de bebida deve levar para o esquenta na casa do amigo; e está tudo certo em fazer isso mesmo que você tenha uma dúzia de trabalhos pra entregar no dia seguinte.
Nesses tempos líquidos, o tempo de lazer do jovem se sobrepõe - em nível de interesse - ao do trabalho e do estudo. Não vivenciaram guerras mundiais, recessões econômicas, ditadura militar, corte de gastos, confisco de dinheiro privado e uma série de outros apertos que a geração X e os baby-boomers sofreram, e talvez seja bem por isso que achem um pé no saco quando seus pais os colocam de castigo por não estudar.
Mas veja bem, não estou defendendo com todas as forças aquelas pessoas que passam o tempo todo estudando e se privam de lazer; a vida precisa de equilíbrio em todas as suas faces, incluindo essa.
É muito triste ver jovens se embebedando e vomitando nas portas das baladas em plena madrugada de sábado por achar que estão sendo mais aceitos em seus grupos sendo assim. Ou porque acham que bebendo ficam mais alegres e suas noites, mais divertidas. E tudo bem, tudo isso parece mesmo um velho discurso que todo pai deve ter proferido ao seu filho ao menos uma vez na vida, mas ele faz sentido e quase ninguém escuta.
As pessoas não ficam mais inteligentes da noite para o dia. Não conquistam um trabalho invejável sem esforço. Não conquistam um padrão alto de vida sentadas no boteco reclamando da quantidade enorme de matéria que devem estudar. Elas conquistam isso sendo pró-ativas, entendendo que mesmo as coisas mais chatas que são obrigadas a estudar e memorizar vão ajudá-las. Não, não é o exercício impossível de química que vai torná-lo uma pessoa de sucesso. Mas é ele que vai ajudar o seu raciocínio a ficar mais rápido, que vai fazer seu cérebro entrar em ação e, aí sim, fazê-lo mais inteligente.
Não é só a inteligência proveniente dos estudos escolares que vai, porém, deixá-lo maduro. É entender e compreender o que há por trás de cada tarefa e de cada atitude. Boa parte dos jovens despreocupados da nossa sociedade só perceberão a importância disso tudo depois. Alguns vão dar sorte na vida, conseguir uma posição confortável na presidência de uma empresa famosa e, desse modo, nunca vão perceber os erros que cometeram quando jovens. Outros não. E é dessa parcela pequena que devemos ter orgulho e torcer para que esses sim, sejam o futuro do nosso país.
Sonhar é bom.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


            Há quatro milhões de anos, quando o Homo Sapiens estava bem longe de existir, a preocupação dos Homo Afarensis era única e exclusivamente a sobrevivência na natureza selvagem.
            Nós somos mais evoluídos. Usamos esse princípio desde a transição entre a Baixa Idade Média e o início da Idade Moderna para justificar de maneira curta e grossa a cruel dominação das terras e dos povos.
            Ultrapassamos, de uma maneira humana – não cabe aqui dizer “animal” porque não vejo nenhum outro ser vivo ser capaz de tamanhas atrocidades – o limiar entre a sobrevivência e a pura ganância.     
            Dominamos povos que respeitavam o planeta e que lutavam por ele. Que sobreviviam em conjunto. Sabiam que eram inferiores à fúria da natureza e não ousavam desobedecê-la.
            Eles eram homo sapiens sapiens no sentido puro da terminologia. Nós não. É quase impraticável unir espécies tão diferentes em uma única.  Somos homini oeconnomicus, como cunhado por Bauman; vivemos pelo consumo muito mais do que pela própria saúde, como se vê na assombrosa porcentagem de obesos no mundo e principalmente nos Estados Unidos, em que o brasileiro tanto se espelha.
            Estamos sempre insatisfeitos e, em busca da felicidade ilusória, passamos por cima de qualquer obstáculo. Nos achamos donos do mundo. Mudamos o ar, a água, terra, vento, universo. E somos capazes de mais, muito mais. Mas vivemos no medo. Tentamos prever cada passo da natureza para evitar que ela nos domine e que sejamos aniquilados da face da Terra.
            Tudo isso foi necessário. Mostramos do que somos capazes. Mas chegamos ao ponto em que matamos nossa própria espécie não por sobrevivência, mas pelo que já temos: dinheiro, bens de consumo, commodities. Se fosse um miserável lutando por um pedaço de pão, vá lá. Mas bem sabemos que são os mais endinheirados que instigam as batalhas sem nexo e não o contrário.
            É perfeitamente cabível um leão matar o outro por mais comida do que já tem em sua toca, mas não se espera isso de um animal que se diz racional e superior. Que se diz dominante, melhor que tudo e todos.
            Qual, exatamente, é o caminho que a nossa espécie está trilhando? Aonde queremos chegar? Está claro que, ao contrário do que é postulado pela biologia, nós somos bem inferiores.
            Ser mais evoluído não é só ter habilidades incríveis que as espécies anteriores não tinham. É ser capaz de se desenvolver e se multiplicar e sobreviver em parceria com a natureza, respeitando seu espaço e seu poder. Temos uma estrutura corpórea complexamente perfeita. Mas de que adianta isso se não sabemos usá-la para fins benéficos? Pensando a sociedade pós-panóptica, grandes mudanças nesse sentido estão longe de acontecer. 
            É uma pena.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Eu?

Quero começar propondo uma questão: quem é você?
As primeiras coisas que devem vir à sua cabeça em uma tentativa de resposta são asserções tais quais "sou um ser humano, brasileiro, tenho tantos anos, gosto disso, daquilo, faço isso, isso e isso". O problema desse tipo de resposta é que somente uma parte dela podemos tomar como uma verdade irrefutável: sermos humanos. 
Em primeiro lugar, o próprio fato de sermos brasileiros já é questionável. Não vou insistir em citar a nação imaginada de Anderson, mas o processo de aculturação dos povos e o rompimento de fronteiras naturais com a globalização fez com que o sentido de nacionalidade se perdesse no tempo. A verdade é que só lembramos de ser brasileiros em época de Copa do Mundo, onde aquele ufanismo vindo de sei lá onde surge dentro de nós. Depois disso, voltamos a ser os críticos de sempre: "ah, a violência. Ah, a política. O transporte. A educação. Saúde. Economia" e enfim, a grama do vizinho é mais bonita.
Segundo e bem menos irrelevante, nem mesmo a sua idade é imutável. Basta calculá-la por calendários de outras culturas e voilá, sua idade já não é mais exatamente a mesma. O interessante é que ninguém pode nos garantir que o calendário cristão é o correto se fomos nós quem o inventamos, mas o tomamos como padrão mesmo assim.
Em terceiro lugar, as coisas que fazemos ou gostamos mudam constantemente. Em uma era pós-panóptica, líquida e representativa, o nosso si está sempre se transformando e assim também, o mundo.
Ousando pensar como Heráclito, nunca somos os mesmos. Se a tempos atrás eramos produtores sólidos, agora somos consumidores líquidos e, assim, talvez não haja uma resposta completa e coesa a ser dada à questão. O outro problema que se desenrola a partir daí é, será que na era panóptica e sólida uma resposta poderia ser encontrada ou esse é um problema exclusivo da contemporaneidade?